ENTREVISTADO: FRANCISCO PIMENTEL

IDADE:48 ANOS

ENTREVISTADORA: INÊS PIMENTEL

 

1-Qual foi o motivo que levou a Pide a deter-te?

R:. Foi eu ser um lutador antifascista contra a ditadura e defender os principios da liberdade, liberdade de expressão de pensamento e ser contra a guerra colonial.

2-Que idade tinhas na altura?

R:. Tinha 19 anos.

3-Quais foram os teus sentimentos quando foste detido?

R:. Por um lado de revolta perante a violação dos direitos humanos, nomeadamente a liberdade de expressão, e pela forma brutal como eram reprimidas as manifestações dos defensores da liberdade e da democracia. Por outro lado senti-me orgulhoso por poder dar um pequeno contributo a favor da causa da liberdade e das justas reivindicações das classes trabalhadoras e dos estudantes.

4- Quanto tempo estiveste detido e onde?

R:. Estive detido cerca de um mês nas instalações da PIDE-DGS junto ao Cemitério do Prado do Repouso, na Rua do Heroísmo, no Porto.

5- Como eram as instalações?

R:. Estava fechado numa cela de 3 m x 3 m, com paredes revestidas a azulejos brancos. Como mobília tinha um beliche da tropa com colchão de palha muito duro, uma mesa folheada a alumínio e uma cadeira. Tinha também um balde para fazer as necessidades, objecto que nunca utilizei. O quarto era interior, dava para o corredor através de uma pequena janela a meia altura, debaixo da qual havia uma mesa e uma cadeira onde estava constantemente um Pide a vigiar-me.

Havia também, ao fundo do corredor, uma casa de banho colectiva onde ia sempre que necessitava, após pedir ao Pide que me levasse lá e me ficava a vigiar.

Não podia ter comigo livros, papéis, canetas, etc. Quando ia à casa de banho, tirava muitas folhas de papel higiénico (que eram daquelas quadradinhas que vinham em maços) e escondia-as debaixo das calças para trazer para a cela.

Quando apanhava o Pide distraído, punha-me a fazer aviõezinhos de papel com as ditas folhas de papel higiénico e distraía-me a lançar os aviões. Depois escondia-os debaixo do colchão.

Um dia um aviãozinho fez um voo mais acrobático, dirigiu-se à janela e foi cair em cima da cabeça do Pide que estava a dormitar. Lá se foram os aviõezinhos todos pois o Pide veio revistar a cela e descobriu o esconderijo por baixo do colchão.

Lá se foi a minha única distração!

6- Como eram os horários?

R:. Às 8 da noite, após jantar, apagavam a luz e obrigavam-me a deitar.

Às tantas da madrugada batiam à porta, mandavam-me vestir e levavam-me para os interrogatórios que podiam durar 10 minutos ou umas largas horas que nunca mais passavam. Eram sempre as mesmas perguntas e eu dava sempre as mesmas respostas: Não conhecia ninguém, não sabia de nada, não pertencia a nenhum partido político (até porque não existiam – eram proibídos). Depois, depois tornava a deitar-me e por volta das 7 horas da manhã aparecia o barbeiro, um homem magro, com ar de bebedola e grandes bigodes que teimava em escanhoar, com uma navalha toda romba, a minha cara quase imberbe.

E assim começava um novo dia, até que um dia, ou porque não tiraram nada de mim, ou porque tinham outras pessoas mais "perigosas" com que se ocupar, me mandaram embora sem me formularem qualquer acusação e muito menos pedir desculpa por um mês de liberdade que roubaram à minha juventude.

 

 

 

© Isabel Malho

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Última modificação em 07-12-2008

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